E se Joaquim Barbosa fosse candidato a presidente? Qual
seria seu programa? Qual seria sua agenda prioritária de desenvolvimento
do país? Parece que a mosca azul tem rondado a instância suprema do
Judiciário do país
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Primeiro, surgiu uma cogitação no reino da boataria.
Depois, passou a
perambular uma torcida pelas
redes sociais. Parece que a mosca azul tem
rondado
Joaquim Barbosa (Foto: Agência Brasil)
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Primeiro, surgiu uma cogitação no reino da boataria. Depois, passou a
perambular uma torcida pelas redes sociais. Finalmente, a ideia de uma
candidatura de Joaquim Barbosa à Presidência da República em 2014 se
espalhou por alguns veículos de imprensa.
O assunto até chegou a ser ventilado fora do país. Em uma entrevista à agência Bloomberg,
especializada em mercado financeiro, o já presidente do STF foi
apresentado ao público estrangeiro como alguém comparável a Barack
Obama. A repórter Ellis Cose começou a entrevista logo fazendo a
pergunta, direta e reta, sobre a possibilidade de ele concorrer à
Presidência da República. Barbosa respondeu:
“Eu nunca me vi sendo presidente do Brasil. Em primeiro lugar, não
sou político. Nunca fui e penso que sou uma pessoa improvável para esse
tipo de atividade por causa da minha franqueza. Nunca lidei nem tenho
conexões com partidos”.
Mesmo assim, alguns entusiastas, por conta própria, criaram uma
página http://joaquimbarbosapresidente.com.br/
especialmente para fazer a apologia do suposto-futuro-jamais-candidato e
para colocar sua campanha na rua, aliás, fora do prazo determinado pela
lei eleitoral. Na página já se pode baixar o adesivo, conhecer sua
biografia e acompanhar notícias na imprensa que falam da aventada
candidatura.
Mas, e o partido?
Finalmente, apareceu o que faltava: um partido, ou quase. O Partido
Militar, que ainda não existe, tem apenas metade das fichas de filiação
necessárias para ser homologado e lançar-se às eleições de 2014. Mas não
se fez de rogado e já anunciou um convite a Joaquim Barbosa para ser
candidato.
O convite certamente se tornou a principal peça publicitária de um partido em busca de uma razão de ser.
Pouca gente sabe, mas o Brasil já teve dois presidentes que passaram pelo STF.
O primeiro foi Epitácio Pessoa, de 1918 a 1922. O segundo foi José
Linhares, que assumiu o cargo interinamente, por dois meses, no lugar de
Getúlio Vargas, quando deposto em 1945.
No campo das possibilidades, uma aventura presidencial de Joaquim
Barbosa teria várias dificuldades. Para concorrer à presidência, é
fundamental ter o apoio de um partido nacional, de preferência, médio ou
grande, e de uma coligação que ofereça uma razoável cobertura nos
estados. Partidos e coligações maiores proporcionam mais tempo de rádio e
TV, mais comitês eleitorais e mais propaganda de rua, que contam muito
até em campanha para vereador, que dirá para presidente.
Enfim, das duas, uma: ou Barbosa teria que ser “adotado” por um
partido médio ou grande, desses que acabou de chamar de “partidos de
mentirinha”, ou teria que inventar um partido de verdade do dia para a
noite, algo difícil de escapar da pecha de oportunismo.
O problema é que os partidos grandes e médios, quase todos, já têm lá
seus candidatos. Salvo algumas exceções, como, por exemplo, o DEM,
ex-partido de Demóstenes Torres e José Roberto Arruda, ou o PTB de
Roberto Jefferson. Qualquer que seja o partido, a vida pregressa de seus
líderes e correligionários imediatamente se colaria em Barbosa.
“Diga-me com quem tu andas”, perguntariam os eleitores.
E se Barbosa formasse chapa com Marina Silva?
Se optasse por um partido maior, Barbosa ficaria muito mal na foto.
Se saísse por um partido pequeno, sumiria da foto. Inventar um novo
partido em menos de seis meses é algo fora de questão. A única
possibilidade viável, até para evitar uma concorrência na mesma raia,
seria uma dobradinha Barbosa- Marina Silva, ou vice-versa. Aí teríamos
uma candidatura espetaculosa, cheia de apelos midiáticos.
O primeiro grande problema é que nem Barbosa nem Marina têm cara de
estarem pleiteando a vice de quem quer que seja. O segundo problema é
que a Rede é, por excelência, um partido de mentirinha. É um partido que
tem vergonha de usar a palavra “partido” para se definir, mas que
defende com unhas e dentes o interesse de não apenas ser reconhecido
como um partido, mas de ter as regalias a eles reservadas de modo a
poder usar os recursos do fundo partidário e ter acesso ao horário
eleitoral, que é pago com dinheiro público, antes mesmo de ter recebido
um único voto.
A ideologia desse partido tem nome. Chama-se Marina Silva. Seus
seguidores são os “marineiros”, um culto à personalidade pra ninguém
botar defeito. É o partido da Marina, pela Marina e para a Marina.
O que faria Joaquim Barbosa em um partido dessa natureza, depois de ter reclamado dos que buscam “o poder pelo poder”?
Quem financiaria Joaquim Barbosa?
Outro aspecto a se perguntar é quem iria financiar a campanha de
Barbosa. Seguindo estritamente as regras eleitorais fiscalizadas pelo
TSE, qualquer um poderia fazê-lo. Pela Rede, estariam excluídas as
empresas de armas, bebidas alcoólicas, cigarros e agrotóxicos, mas foram
providencialmente preservados os bancos e as empreiteiras, que são os
maiores doadores de campanha.
Mas, imaginemos uma campanha heroica, financiada por recursos
individuais. O fato dos recursos serem individuais não diz se eles são
grandes ou pequenos. Doações individuais não necessariamente são mais
limpas do que as provenientes de empresas – depende da pessoa e da
empresa. Uma campanha voluntariosa normalmente é eivada de
informalidades. Muita coisa é feita na cara e na coragem, de modo até
criativo, mas às vezes difícil de ser “contabilizado”.
Por mais quixotesco que seja o candidato, ele se torna protagonista
ou coadjuvante do sistema político que se propõe a atacar. Ser candidato
significa aceitar as regras do jogo, sendo conivente com as mazelas que
aponta, ou conformar-se à condição de anticandidato.
Quanto tempo duraria um governo Joaquim Barbosa?
Tão ou mais importante do que imaginar se Barbosa pode ou não ser
candidato, ou se teria chances de ser eleito, é considerar que tipo de
governo ele faria. Qual seria seu programa? Qual seria sua agenda
prioritária de desenvolvimento do país? Quem seriam seus líderes na
Câmara e no Senado? E seus partidos aliados? De que maneira ele trataria
os demais Poderes? Como trataria o próprio Judiciário? E os
governadores de estado? E os prefeitos? E a imprensa? O que ele de fato
conseguiria fazer? Quanto tempo duraria um governo Joaquim Barbosa sem
que se corresse o risco de paralisia decisória?
Por que caminhos iria levar sua pregação contra os partidos, contra
as maiorias congressuais e contra a dominância do Executivo sobre a
agenda do país, requisitos para que um governo governe? Que tipo de
regime seria esse em que um presidente deve supostamente se comportar
como uma majestade que reina, mas não governa?
Que poder é esse?
O Judiciário não é um poder representativo, tampouco é um poder
democrático. Seus integrantes devem ser, todos eles, pessoas
democráticas, e suas decisões servem a proteger o Estado democrático de
Direito. No entanto, o Judiciário é – e é feito para ser – um poder
meritocrático, em que pese seus membros serem indicados, como se sabe,
por regras sujeitas a injunções políticas e a interesses de toda sorte.
Mas parece que a mosca azul tem rondado a instância suprema do
Judiciário do país. É sintomático o fato da figura de seu atual
presidente ser cogitado como candidato à Presidência. Não que ele não
possa. Pode e deve. Para tal temos partidos, eleições e debate
democrático.
Seria positivo termos mais gente do Judiciário como candidata. Isso
poderia contribuir para trazer outras questões relevantes à baila, de
forma qualificada. Contudo, termos magistrados se comportando quase como
pré-candidatos é algo que compromete o papel do Judiciário brasileiro.
Mesmo em um campeonato com muitos jogadores pernas de pau e desleais,
com jogos cheios de lances faltosos, ninguém imagina que a melhor
solução para o problema seja o juiz começar a chutar a bola e a reclamar
do nível dos times.
De 1988 a 2012, o número de ações que deram entrada no Poder
Judiciário subiu de 350 mil para 26 milhões (dados do Anuário da
Justiça, 2013). Fosse um Poder mais transparente e mais eficiente para
lidar com o problema da impunidade, diante dessa avalanche de processos
sob sua responsabilidade, já daria uma grande contribuição à República.
Por Antonio Lassance – cientista
político e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA). As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente
opiniões do Instituto. Para Carta Maior
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