ESCRITO POR ADRIANO BENAYON SEXTA, 30 DE AGOSTO DE 2013
01. Transcorreu agora o 59º aniversário do modelo dependente,
implantado a partir de 24 agosto de 1954, data da deposição do
presidente Getúlio Vargas.
02. O atual quadro da economia brasileira deixa clara a iminência
de mais uma devastadora crise externa, tão ou mais profunda que as
anteriores, como a que levou à moratória submissa em setembro de 1982
(cessaram os pagamentos por falta de divisas), e a do final de 1998, com
o mesmo problema.
03. É o déficit (saldo negativo) com o exterior nas transações
correntes (mercadorias, serviços e rendas) que faz explodir a dívida
externa e suscitar a incapacidade de fazer face ao serviço dela sem
sofrer a intervenção dos bancos estrangeiros e de seus colaboradores,
como o FMI e o Banco Mundial.
04. De janeiro a julho de 2013, esse déficit ascendeu a US$ 52,5
bilhões, quantia quase igual à do déficit total de 2012 (US$ 54,2
bilhões). Em 2013, ele já corresponde a 4% do PIB, sendo que no caso do
Brasil sequer o PIB é nosso, pois a economia tem sido grandemente
desnacionalizada.
05. O déficit cresce demais nos últimos anos. De 2008 a 2012,
somou US$ 204,1 bilhões. No atual ritmo, 2013 poderá ultrapassar 50% do
total acumulado nesses cinco anos.
06. Os déficits nas transações correntes são causados pela volúpia
das empresas transnacionais de transferir lucros às suas matrizes, nas
sedes destas e em paraísos fiscais.
07. Os lucros transferidos como lucros, embora imensos, são muito
menores que os transferidos disfarçadamente em contas do balanço de
serviços e no de mercadorias, através do subfaturamento das exportações e
superfaturamento das importações e até mesmo de operações fictícias.
08. A característica do modelo dependente é a progressiva entrega
dos patrimônios nacionais às empresas transnacionais. O mercado foi o
primeiro desses patrimônios doados, através de incríveis privilégios, ao
capital estrangeiro, começando com a liquidação da indústria
automobilística nacional e a entrega do mercado às montadoras
transnacionais no governo de Juscelino Kubitschek.
09. O senador Vasconcelos Torres (1920/1982) publicou em 1977 o
livro “Automóveis de Ouro para um Povo Descalço”. Decerto “ouro”
referia-se não à qualidade dos automóveis, mas ao preço deles.
10. A p. 94 relatava o senador:
“a) No exercício de 1962 foi registrado, no balanço consolidado
das onze empresas produtoras de veículos automóveis e caminhões, lucro de 65% em relação ao capital social, constituído por máquinas usadas e, aumentado posteriormente, com incorporações de reservas e reavaliação dos ativos”.
11. De fato, como tenho mencionado, as empresas estrangeiras da
indústria automotiva e de outras indústrias – favorecidas por instruções
da SUMOC, o banco central à época – puderam, a partir de janeiro de
1955, importar equipamentos usados, de valor real zero, pois estavam há
anos amortizados, e registrá-los, como se fossem investimento em moeda,
pelo valor que declarassem.
12. Isso significa que o Brasil lhes deu um privilégio incrível,
semelhante ao dos bancos, que ganham dinheiro criando dinheiro do nada,
com lançamentos contábeis, ao conceder empréstimos. Além disso,
beneficiadas pelo custo real zero do capital e da tecnologia, as
transnacionais esmagaram a concorrência de empresas locais.
13. Vasconcelos Torres, op. cit. p. 95, apresenta uma tabela
referente aos balanços de 1963, comparativa de preços de venda da
fábrica à distribuidora com os preços de venda do distribuidor ao
público, abrangendo quatro montadoras, entre elas a Volkswagen, já então
a maior produtora no Brasil.
14. O preço nas distribuidoras era mais de três vezes o preço na fábrica, valendo notar que os donos desta são os mesmos daquelas ou, no mínimo, têm participação naquelas.
15. Como se fosse pouco o que as transnacionais ganharam no Brasil
nos anos 60, no final desse decênio, elas foram agraciadas com novos e
colossais subsídios, através de isenções de IPI e ICMS, nas importações
de seus bens de capital e insumos, além de créditos fiscais, na
proporção das exportações.
16. Até hoje, novos subsídios juntam-se aos antigos e caracterizam
o modelo dependente como aquele em que as empresas transnacionais
recebem imensos prêmios, doações e dinheiro para explorarem o mercado
sem concorrência, com seus carteis e oligopólios.
17. Por enquanto, as reservas no exterior se mantêm em US$ 370
bilhões e acima da posição da dívida externa, de US$ 314 bilhões. Mas
isso significa desnacionalização galopante, pois decorre do brutal
ingresso líquido de investimentos estrangeiros diretos (US$ 62 bilhões
de janeiro a julho) e mais US$ 24 bilhões de investimentos estrangeiros
em carteira (participações de capital).
18. Além disso, só é possível o balanço de pagamentos com saldos
positivos, em vez de com enormes déficits, devido às aplicações
estrangeiras em títulos de renda fixa.
19. Elas totalizaram US$ 20 bilhões de janeiro a maio. Dados os
sintomas de crise, o Executivo suprimiu, em 04.06.2013, o imposto sobre
operações financeiras (IOF) sobre essas aplicações, além de aumentar a
taxa de juros. Com isso elas atingiram US$ 7,1 bilhões em junho, mas
voltaram a declinar para US$ 3,9 bilhões em julho. De janeiro a julho:
US$ 31 bilhões.
20. Apesar de a maior parte das economias estrangeiras praticarem
juros reais baixos e até negativos, no Brasil voltou-se a elevar a taxa
básica dos títulos públicos: em julho, ela já foi para 8,5% ao ano,
depois de ter baixado em 2012, ficando em 7,25% ao ano, até abril de
2013.
21. Nada pode justificar as elevações verificadas desde então, a
não ser o fato de as autoridades monetárias agirem como serviçais dos
bancos e dos aplicadores estrangeiros, ou a dependência de ingressos de
capital para fechar as contas externas, devido ao déficit nas transações
correntes, causado pelo modelo desnacionalizante.
22. Parece claro, sem excluir a primeira hipótese, que a segunda
desempenha influência determinante. Tal como ocorre com os viciados em
cocaína e outras drogas, o Brasil, submetido ao modelo dependente,
agrava cada vez mais a dependência, recorrendo a doses cada vez maiores
de drogas (capital estrangeiro). Para isso, oferece a ele cada vez mais
benesses para atraí-lo.
23. A usual desculpa da inflação é mais furada que queijos
Emmenthaler e Gruyère, pois, além de ela se apresentar em queda antes
dos aumentos na taxa de juros, estes não levam à redução da alta dos
preços.
24. A maligna dependência não se limita a produzir crises
externas, como as que contribuíram para pôr de joelhos os submissos
governos brasileiros, como em 1982, culminando com os inqualificáveis
Collor e FHC a entregar de graça às transnacionais patrimônios públicos
inalienáveis, conforme exigiram os governos imperiais, coadjuvados por
Banco Mundial e FMI. A política submissa continua sob os governos
petistas.
25. Por que os desastres produzidos pela dependência não se
limitam a isso? Porque ela faz crescer exponencialmente a dívida pública
interna, o que ocorre não só quando o capital estrangeiro aplica em
títulos do Tesouro – e este os emite -, mas também em função das altas
taxas de juros, expediente “justificado” pela “necessidade de atrair
aquele capital”.
26. Terminou o espaço, e assim não posso aditar ao que tenho
escrito sobre a imperiosidade de se anular o último leilão de petróleo e
de cancelar o marcado para outubro, na área do pré-sal. Tenho só de
conclamar os compatriotas a participar das ações dos que estão lutando
nessa direção. Não só as ações judiciais, mas também as que transcendam
as atuais regras legais.
27. E ainda não é desta vez que resumirei a fraude em que os
governos entreguistas transformaram o setor de energia elétrica, criando
um caótico sistema de preços, “de mercado”, com o intuito de favorecer
grandes empresas, principalmente estrangeiras, as quais, enquanto sugam o
país, extinguem o seu futuro, acabando com sua infraestrutura.
Adriano Benayon é doutor em Economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
do Blog do Fajardo