Após as gigantescas manifestações que tiveram início com a luta pela
redução das tarifas do transporte público, mas que incorporaram outras
pautas e tomaram diversas cidades do país nos últimos dias, um novo
fenômeno passou a ficar mais evidente no cenário brasileiro: protestos
e passeatas com um menor número de pessoas e reivindicações mais
específicas começaram a brotar no centro e nas periferias das grandes
metrópoles ou em municípios do interior.
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Após conquistarem revogação do aumento das passagens, manifestantes agora protestam por demandas específicas |
No Rio de Janeiro, cerca de 1 mil moradores das comunidades da
Rocinha e do Vidigal marcharam até a residência do governador Sérgio
Cabral na última terça-feira para mostrar insatisfação com as obras do
PAC 2 que preveem a construção de um teleférico na Rocinha. Eles pediram
melhor saneamento e educação nas comunidades.
Em São Paulo, na última quarta-feira, dois protestos tomaram a
avenida Paulista: um, com cerca de 300 pessoas, contra o deputado
federal Marco Feliciano e o projeto de “cura gay” aprovado pela Comissão
de Direitos Humanos da Câmara e outro, com cerca de 100 manifestantes,
contra a proposta que prevê a atuação de médicos estrangeiros no Brasil.
Além disso, nos últimos dias, foram registrados em diversos locais protestos
de movimentos de moradia, contra a violência policial e contra o
projeto de lei no Ato Médico, que regulamenta a atuação de profissionais
da saúde. Em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, manifestantes ocuparam a
Câmara dos Vereadores em protesto contra supostas irregularidades na
CPI que investiga o incêndio que matou 242 pessoas na boate Kiss, em
janeiro.
Contágio
- De fato, nós temos observado que está havendo uma descentralização
das manifestações e, ao mesmo tempo, uma fragmentação. Aquelas
manifestações iniciais, que congregavam muitas reivindicações, começam a
se fragmentar em diferentes manifestações por diferentes causas –
afirma o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, diretor do IUPERJ,
da Universidade Cândido Mendes.
Na avaliação de Monteiro, além de uma fragmentação, os protestos
passaram a incorporar também manifestantes de classes populares, que
eram minoria nas grandes marchas, até então majoritariamente de classe
média.
Para o cientista político, essa proliferação de manifestações com
pautas mais específicas pode ser explicada pelo que chama de “efeito de
contágio”, que faz com que alguns setores acabem por se ‘inspirar’ nos
protestos e decidam sair às ruas para reivindicar suas próprias
demandas.
- Temos visto Brasil afora também comunidades menores, mais pobres,
fechando estradas… então isso pode ser aquilo que os analistas de
movimentos sociais chamam de efeito de contágio. Esse efeito de contágio
é você ver o outro movimento fazendo uma manifestação e fazer também.
Isso é já uma evolução desse movimento (de protestos) – diz.
Governo
Com a força das manifestações, os executivos, legislativos e a
Justiça de diversas esferas da federação passaram a fazer concessões aos
manifestantes.
Prefeituras e governos estaduais baixaram tarifas de transporte
público, o Congresso aprovou em tempo recorde medidas que estavam nas
pautas dos protestos e a presidente Dilma Rousseff anunciou uma séria de
cinco “pactos” que preveem melhorias nas áreas de educação, saúde,
responsabilidade fiscal e até uma reforma política.
Mas, no lugar de acalmar os ânimos dos manifestantes, as concessões
alcançadas após as marchas podem acabar por estimular novos protestos.
- De alguma maneira, essa movimentação meio atabalhoada da classe
política está fazendo com que as pessoas se sintam estimuladas a ir para
a rua mesmo (…). As pessoas vão pensar: ‘é assim que funciona, nós
vamos para rua, reclamamos e os políticos fazem – diz Monteiro.
Rocinha
Um dos organizadores do protesto na Rocinha, o estudante de Design
Denis Neves, de 27 anos, participou de algumas das manifestações no
centro do Rio que culminaram com a redução nos preços das tarifas e
avaliou que este poderia ser um bom momento para levar a reivindicações
de sua comunidade para as ruas.
Ele conta que o fato de os governos dos mais diversos níveis terem
feitos concessões aos manifestantes estimulou ainda mais os moradores a
realizarem o ato que questionou a construção de um teleférico na
comunidade e pedia saneamento básico e creches para os moradores.
- Tivemos essa ideia de trazer para a Rocinha as manifestações que
estavam acontecendo no Brasil (…) Porque finalmente o povo está sendo
ouvido. A gente vê que, com os manifestos, tanto no campo da
Presidência, quanto no governo e no município, todo mundo está fazendo
por onde (para atender as demandas). Até o (presidente do Senado) Renan
Calheiros está a favor da tarifa zero, então você vê que realmente
funciona, que está tendo retorno – diz.
Após que a marcha que seguiu até o Leblon, os manifestantes tiveram
uma pequena vitória. Segundo Neves, eles foram convidados para uma
reunião com o governador Sérgio Cabral nesta sexta-feira e agora
trabalham para detalhar uma pauta de reivindicações.
Divisões
Pedro Fassoni Arruda, professor do Departamento de Política da
PUC-SP, avalia que a presença de diversas pautas nos protestos acabou
por criar divisões entre os manifestantes, o que contribuiu para que,
após a redução nos preços das tarifas, o movimento se dividisse, com
cada um dos setores organizando atos com reivindicações específicas.
- Chegou um momento em que houve conflitos entre os próprios
manifestantes, não entre eles e a polícia. Isso é sintomático do quanto
(o movimento) diversificou, incorporando setores desde a esquerda até a
extrema direita no espectro político. Então (quando) aqueles protestos
atingiram o objetivo, cada um agora está tentando colocar uma
reivindicação de acordo com seus interesses: a PEC 37, o ‘Fora
Feliciano’, isso ou aquilo – diz.
Arruda concorda que as concessões do governo podem acabar por
estimular novos protestos, mas avalia que isto não quer dizer que essas
demandas serão atendidas.
- Até agora, o que a gente viu de concreto foi apenas a revogação do
aumento e a não aprovação da PEC 37, mas muitas outras questões ainda
precisam ser discutidas. Por exemplo, as manifestações exigindo a saída
do Marco Feliciano da Comissão de Direitos Humanos não surtiram nenhum
efeito, ele continua lá firme e forte – diz.
- O curioso é que a população se divide, alguns podem reivindicar
alguma coisa nas ruas e outro grupo convocar uma manifestação exigindo
exatamente o contrário. Então, depende muito da correlação de forças,
qual o grupo que tem realmente maior poder de influenciar as decisões do
governo.
Mobilização
Um dos fundadores do Fórum de Lutas contra o Aumento da Passagem,
grupo que vinha organizando os protestos no Rio, o estudante Raphael
Godoi, de 16 anos, concorda que a redução nas tarifas “animou” vários
pessoas, que vêm comparecendo em peso em reuniões do movimento ou
convocando atos com outras pautas.
O movimento fundado por Godoi realizou uma manifestação na tarde da
quinta-feira no centro do Rio que mobilizou cerca de 2 mil pessoas.
- A cada plenária (vem) gente nova. Acho que a galera está animada,
(mas também) está tudo mundo puxando eventos para seus próprios
objetivos. Isso ocorreu simultaneamente com diversas pessoas e a gente
vê essa divisão: tem um monte de eventos, em vários lugares e um monte
de causas diferentes que não estão mais levando o mesmo número de
pessoas – diz.
Embora reconheça que as próximas manifestações possam atrair um
número menor de pessoas, ele avalia que o movimento – que, entre outras
pautas, continuará protestando por tarifa zero e contra a privatização
do Maracanã e a remoção de famílias pelas obras da Copa e Olimpíada não
perderá força.
- Eu acho que vamos continuar com o movimento forte sim. Vai cair um
pouco o número de pessoas, mas vai ficar forte, até mesmo porque quem
vai continuar, vai continuar realmente com uma visão política e sabendo o
que quer – diz.