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Nego Blue em show na Virada Cultural 2013,
no centro de São Paulo / Dubes Sonego Junior
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“Popularização do estilo criado na
periferia de São Paulo cresce, mas não o livra da criminalização
Quando
deixou para trás o cavaquinho e as letras melosas de pagode para cair no
universo do funk de ostentação Nego Blue viu sua vida mudar. Começou a assinar
o nome com a sigla MC, seus shows mensais antes restritos às comunidades
passaram a ocorrer cinco vezes por semana em boates da classe média e o
dinheiro aumentou.
Nego
Blue é estrela de um ritmo que ganha cada vez mais adeptos. Nele, tudo parece
mais glamoroso: em vez de letras que exaltam armas, drogas e sexo explícito,
prevalece a apologia a uma vida regrada a champagne, uísque, Camaros e mansões.
“Estamos quebrando barreiras”, conta entusiasmado MC Nego Blue, nascido em Cidade Tiradentes
e morador de São Mateus, zona leste de São Paulo. “O funk de ostentação me
levou onde nunca sonhei estar. Quando me vi no Hard Rock Café, em Belo Horizonte,
onde só para entrar são 200 reais, fiquei bobo. Não sabia se olhava os carros
pendurados no teto ou para o público cantando”, lembra.
Mas a
que se deve tamanha aceitação desse “novo funk” - até ontem “de preto, pobre e
favelado”, como diz a música tocada exaustivamente pelo DJ Marlboro nas festas
de classe média? “As pessoas ficam menos escandalizadas ao ouvir músicas
sobre marcas de roupa do que sobre drogas e crimes”, explica Danilo Cymrot,
doutorando em criminologia pela USP que estuda o movimento de criminalização do
funk. “No entanto, o que fortaleceu essa emergência do ostentação foi a
repressão de um outro tipo de funk”, reforça.
O
som mais “light”, que abre mão da crítica social - marca do rap e dos antigos
proibidões - vem ganhando terreno em meio a uma onda que reprime os bailes
funks em vias públicas. Em abril, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou o
projeto de lei 2/2013, dos vereadores Conte Lopes (PTB) e Coronel Camilo (PSD),
que proíbe a realização de bailes funk em vias públicas, praças e parques, além
de qualquer outro tipo de evento musical não autorizado. A proposta faz lembrar
a Resolução 013/2007, assinada pelo secretário de segurança do Rio, José
Mariano Beltrame, que dava plenos poderes para a polícia proibir ou autorizar
eventos culturais, sociais ou esportivos de acordo com seus próprios critérios.
A medida foi revogada em agosto e será reformulada depois de ter sido taxada de
antifunk. Mas, por seis anos, coube à polícia militar dar aval a qualquer festa
nas favelas “colonizadas” pelas UPPs.
“As
manifestações culturais afrobrasileiras na nossa história sempre receberam um
olhar criminalizante, como já foi com a capoeira e com o samba”, lembra Vera
Malaguti Batista, professora de criminologia da UERJ e secretária geral do
Instituto Carioca de Criminologia. “Já é tradição olhar as expressões culturais
dos pobres, principalmente dos afrobrasileiros, com esse olhar.”
Maratona. Em São Paulo, embalado
pelos cinco ou seis shows por semana, Nego Blue se vê envolto em fama e uma
longa fila de meninas que esperam para tirar foto depois de um show no Club A
Moema, que abriu espaço na agenda de música eletrônica para receber noites de
funk de ostentação.
“As músicas do Nego Blue falam de sonhos
que todo mundo quer ter: estar em lugares melhores, ter roupas boas, perfumes,
bebidas caras”, observa seu produtor Ronaldo Dias. “E a classe alta gostou
porque fala de uma visão sobre o mundo deles, um mundo que todos querem
provar.”
Os números comprovam o sucesso. Um dos
maiores hits do MC Nego Blue, a música É o Fluxo contabiliza 939.377 de
visualizações no Youtube. Já o videoclipe de Na Pista Eu Arraso, do colega MC
Guime, alcançou 15.384.559 visualizações em pouco mais de 3 meses.
“Vejo o estilo como uma consequência
natural de uma cultura de massa em uma sociedade consumista”, observa Guilherme
Pimentel, fundador da Associação de Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk). “A
ostentação é uma forma mais agressiva do jovem se sentir inserido nessa
sociedade de consumo preconceituosa, que dá mais valor ao que você tem do que
ao que você é. Esse estilo só vai perder força na cultura artística depois de
perder força na sociedade.”
O interesse crescente, no entanto, não livra
o estilo da criminalização que o ronda. A morte de MC Daleste em cima de um
palco durante um show em julho mostra que, mesmo sendo melhor assimilado, o
funk de ostentação não consegue livrar seus protagonistas do preconceito que os
agride rotineiramente. “Se eu disser que não há discriminação pela cor, estou
mentindo”, diz Nego Blue. “Basta eu colocar as naves [carros de luxo] na rua
para tomar um enquadro atrás do outro.”
Marsílea
Gombata, CartaCapital