Por favor, não me atirem pedras. Nem me lancem aos coliseus
pós-modernos sob a sanha de sua arroxeada indignação. Aquietem, peço a
vocês, dóceis criaturas, a fúria sanguinária dos pitbulls que rondam
crepusculares suas mais recônditas emoções. Afinal todos nós bebericamos
do nosso cotidiano sequelado pela cultura do “amazing” — os
indefectíveis likes retratando gélidas aprovações facebookeanas. Então,
não me trollem, please.
Explicarei a seguir as razões da peremptória afirmação do título
acima. Nesta mesma semana, a mídia impressa divulgou em dois veículos
voltados a públicos-alvo distintos, matérias pautadas no confronto da
genialidade versus burrice.
De imediato, criaturas que se auferem aquinhoadas por neurônios de
valiosíssimos quilates, torcem o nariz enauseadas. Sua supremacia
intelectual é — e desde sempre foi — inquestionável. Haverá, aliás, algo
mais empedernido e simultaneamente taxidermizante que a vaidade?
A vaidade é o seguro de vida plenipotenciário da autoestima, do amor
próprio urdido por inabaláveis certezas egóicas, relativas, por exemplo,
ao robusto quociente de inteligência que pululam em nosso currículo
social. Isso, até que a morte nos separe, claro.
Pesquisadores das neurociências asseveram: mesmo quem possui um QI
altíssimo está sujeito a atitudes irracionais. Cientistas desafiam nossa
lógica com a máxima: todos podem ser geniais e idiotas ao mesmo tempo.
O escritor Gustave Flaubert, emérito criador de instigante obra no
século 19, “Madame Bovary” e crítico contumaz dos renitentes costumes e
cacoetes da pequena burguesia afirmou certa vez: “a terra tem seus
limites, mas a estupidez humana é infinita”.
Na Renascença, o teólogo Erasmo de Roterdã elogiou a loucura como
advinda do deus da riqueza e da ninfa da juventude; outros autores
consideravam-na um misto de vaidade, teimosia e imitação. Apenas no
século 18 a estupidez começou a se aproximar da chamada inteligência
medíocre, sublinha Matthijs van Boxsel, historiador holandês que dedicou
sete livros ao tema.
Burrices à solta
É árdua a tarefa de mensurar a inteligência de nossos longevos
antepassados. Atuais pesquisas na área revelam um aumento do QI médio no
passado recente. “Isso desmente o medo de que pessoas menos
inteligentes têm mais filhos e, logo, a inteligência vai diminuir”,
afirma o psicólogo Alan Baddeley da Universidade de York.
Hoje se cogitam novas aferições de competências intelectivas
traduzidas pelo denominado QR — Quociente de Racionalidade. Entretanto o
que estipula se você possui ou não um QR visivelmente elevado? Alguns
cientistas estabelecem que o QR não se restringe aos genes ou fatores
ambientais durante a infância. Vincula-se, por conseguinte, à
metacognição, ou seja, à auto percepção de atestar a validade de seu
próprio conhecimento.
Autoconfiança? Sem dúvida este é um predicado importante, atrelado
muitas vezes à cegueira autorreflexiva, filha da soberba, presunção,
afetação mental desmesurada.
Que tal rever o desfile de estultices que invadem a mídia, eivada de
discursos político-patéticos, secundados por um acéfalo e robotizado
rebanho de fiéis rendidos ao palavrório manipulativo e simultaneamente
lobotomizante destes insólitos líderes — viralizados entre os podres
poderes.
Caetano Veloso, a propósito, em canção de igual nome disseca em
algumas estrofes a putrefação dos régios e incongruentes comandos na
esfera nacional. “Ou então cada paisano e cada capataz / com sua burrice
fará jorrar sangue demais/ nos pantanais, nas cidades/ caatingas e nos
gerais…”
É desconfortável, confessemos, abandonar as poltronas de cômodas e
lerdas certezas para enfrentarmos as benfazejas comichões da afamada e
tantas vezes desastrosa lucidez. Preenchermos nossos cantis de viajantes
sociais, pelas trilhas das interrogações e dúvidas, com refrescos sabor
de ética madura e outros esclarecimentos cítricos.
Recordo-me agora de um termo luso que considero bem adequado ao nosso
fluxo temático: parvoíce — qualidade (ou indigesto defeito) de quem é
parvo, néscio, portador de insuperável estultice.
Idiotias embaladas para presente
Um blogueiro americano estudioso de neurociência, David McRaney tem
se projetado com o lançamento de um livro esmiuçando situações nas quais
somos compelidos a cometer erros. Sem dúvida, deveríamos agir de outro
modo, porém não somos espertos o suficiente. Inúmeros exemplos citados
por ele referem-se a experiências de autossabotagem, como a compulsão de
fazer e desfazer planos para o futuro.
Preencher o carrinho do supermercado de verduras para começar a
bendita dieta na próxima e esperançosa segunda feira, mas cair logo em
tentação diante de um hipnótico doce. As amostragens de micro teses
defendidas pelo escritor são repletas dos renitentes autoenganos de que
instintivamente nos alimentamos.
Jogos de esconde-esconde. Aquisições a torto e a direito de
auto-ilusões, mergulhos rotineiros em magníficas miragens. Deste modo,
como caracóis coloridos vamos deslizando nossas propostas
comportamentais, convictos, no caso, de que a pressa é mesmo inimiga da
perfeição.
Ah e a vaidade… A vaidade é saborosíssima. Que humildade que nada. A
modéstia e a transparência não integram estes quadros de
autodeslumbramentos pintados por nossos gigantescos sonhos de grandeza
também em nível mental.
Empedernimentos facultados por etiquetas e marcas de todo tipo.
Roupas e carros de grife, cursos em famosas universidades americanas,
mestrados, doutorados e deificantes pós-doutorados nos transformam em
seres olimpianos, como ressaltaria Edgar Morin. Indivíduos quase
míticos.
“Na obra “Reflexões sobre a Vaidade dos Homens”, desenvolvida por
Matias Aires, no século 18, o intelectual dispara “Sendo o termo da vida
limitado, não tem limite a nossa vaidade; porque dura mais que nós
mesmos e se introduz nos aparatos últimos da morte. Que maior prova do
que a fábrica de um elevado mausoléu? No silêncio de uma urna, depositam
os homens as suas memórias, para com a fé dos mármores fazerem seus
nomes imortais…”.
Concluímos, por ora, nossas fervilhantes ilações, enrodilhadas no
trânsito de genialidades e vacuidades cerebrais, com um aforisma de um
polêmico filósofo e jornalista, Olavo de Carvalho.
“Não há covardia mais torpe que a covardia da inteligência, a burrice
voluntária, a recusa de juntar os pontos e enxergar o sentido geral dos
fatos.”
Quer acrescentar algo?
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