![]() |
O método
Telettubies de assimilação política: basta ver uma imagem e repetir “bo-bo,
“ban-di-do”, “sa-fa-dos”, “ca-na-lha”
|
“Pensar pra quê? Ouvir o voto pra quê? Em
nosso primário exercício de assimilação, tudo "termina em pizza" e
ninguém precisa de juiz. Basta votar em enquete
Há um
momento da vida em que o mundo ao redor é um amontoado de signos sem
significados. Chama-se infância. Nessa fase, uma pedra não é uma pedra. Não tem
sequer nome. É apenas um material disforme que simplesmente existe. À medida
que aprendemos que uma pedra é uma pedra e não um ovo, passamos a assimilar a
ideia de valor e grandeza. De significado, enfim. Leva tempo.
Mal resumindo, é assim que aprendemos a compreender o mundo, até então uma associação inicial e pouco sofisticada de ideias projetadas em sílabas repetidas vagarosamente.
Mal resumindo, é assim que aprendemos a compreender o mundo, até então uma associação inicial e pouco sofisticada de ideias projetadas em sílabas repetidas vagarosamente.
Como numa peça de Lego, encaixamos as sílabas “a” “ma”
“re” e “lo” e associamos o borrão apresentado em um cartaz, ou na tevê, ao nome
das cores. Vemos o desenho de um arco ascendente e alguém explica ser um
“sor-ri-so”. E descobrimos que a bola de fogo a-ma-re-la de-se-nha-da é o
“sol”. Daí o sucesso de programas como Teletubbies na formação dos nossos
quadrúpedes (porque ainda engatinham) não alfabetizados. Peça por peça, eles
aprendem a codificar o mundo. E se tornam adultos.
Nessa nova fase, aprendemos – ou deveríamos aprender – que existe uma infinidade de tamanhos, formas e cores de pedras, algumas com muito mais do que cinquenta tons numa mesma superfície, tenham elas nomes inventados ou não. Umas têm valor de uso, e servem para a guerra. Outras têm valor de troca, e vão parar nos pescoços mais endinheirados. Alguns dirão a vida toda que, não importa o que te ensinam, é sempre bom desconfiar de afirmações categóricas de quem jura que uma pedra é uma pedra e que isto não se discute.
Nessa nova fase, aprendemos – ou deveríamos aprender – que existe uma infinidade de tamanhos, formas e cores de pedras, algumas com muito mais do que cinquenta tons numa mesma superfície, tenham elas nomes inventados ou não. Umas têm valor de uso, e servem para a guerra. Outras têm valor de troca, e vão parar nos pescoços mais endinheirados. Alguns dirão a vida toda que, não importa o que te ensinam, é sempre bom desconfiar de afirmações categóricas de quem jura que uma pedra é uma pedra e que isto não se discute.
E se uma pedra é capaz de provocar
tanto embate, o que não se vê e nem se toca é nitroglicerina pura. Ao longo dos
séculos, o que dá dentro da gente e e não devia também recebe nome, valor e
peso, mesmo sem ter forma nem espessura. Com base nestes nomes, criamos as leis
(filosóficas, físicas, jurídicas e até sentimentais). São elas as responsáveis
por regular as mais complexas, inconfessáveis, inacabadas, incompletas, mal
diagnosticadas e muitas vezes inomináveis relações humanas. Alguns estudam
estas leis. Por anos. Pela vida toda. Mais do que qualquer outro bípede, que a
essa altura da vida já não engatinha.
No mundo ideal, seria prudente ouvi-los antes de tomar posição. Mas, no mundo real, ainda estamos conectando peças de Lego, as sílabas jogadas por variações de um mesmo Teletubbie que nos ensinou a falar quando nossa manifestação verbal era ainda gutural.
No mundo ideal, seria prudente ouvi-los antes de tomar posição. Mas, no mundo real, ainda estamos conectando peças de Lego, as sílabas jogadas por variações de um mesmo Teletubbie que nos ensinou a falar quando nossa manifestação verbal era ainda gutural.
Tornamo-nos bípedes, mas continuamos babando, repetindo com
a boca e os olhos hipnotizados, com vozes vacilantes, as associações criadas
neste grande programa Teletubbies que é a televisão, o rádio, a revista, o
jornal, o meme de duas frases do Facebook e o e-mail da tia indignada:
“ban-di-do”, “im-pu-ni-da-de”, “is-so-é-u-ma-ver-go-nha”, “cor-ruP-Tos”,
"cu-ba-nos-mal-va-dos", "va-mos-a-ca-bar-como-a-Ve-ne-zu-e-la"
(custa crer que alguns aprenderam a repetir as sílabas dos "embargos
infringentes" sem a ajuda do lexotan).
As associações, muitas vezes, são criadas por cores ou rostos. Não é preciso saber o que é massa nem energia nem teoria nem relatividade para associar Albert Einstein a valores como “in-te-li-gên-cia”, “ge-ni-a-li-da-de”. Não é preciso sequer formular uma frase inteira. Basta repetir uma ideia pronta. Ou praguejar. Dizer se é bom ou ruim sem explicar os porquês.
As associações, muitas vezes, são criadas por cores ou rostos. Não é preciso saber o que é massa nem energia nem teoria nem relatividade para associar Albert Einstein a valores como “in-te-li-gên-cia”, “ge-ni-a-li-da-de”. Não é preciso sequer formular uma frase inteira. Basta repetir uma ideia pronta. Ou praguejar. Dizer se é bom ou ruim sem explicar os porquês.
E dar sequência às
reações coletivas, de manada, diante do vermelho. Ou do azul. Ou da foto um
ex-presidente com barba. Ou de um ex-presidente sem barba. Não é preciso ler
jornal, só a primeira frase do título; basta reagir diante de uma foto. Não é
preciso sequer analisar o conteúdo.
Nem diferenciar uma Constituição de uma
capivara. Operamos, afinal, com símbolos prontos, acabados, imutáveis. E,
assim, basta ao rockeiro boa-pinta colocar um nariz de palhaço para, como um
bom Teletubbie, se comunicar com a sua plateia de Teletubbie: “bo-bo,
“ban-di-do”, “sa-fa-dos”, “ca-na-lhas”.
Pensar pra quê? Ouvir o decano, ou quem
quer que seja, para quê? Não importa o que se diga, nem em que se embase. No
fim a única associação que conseguimos fazer do amontoado de palavras voadoras
de significantes sem significados durante o voto de um ministro da Suprema
Corte é que tudo é só uma grande "piz-za". Ou uma vitória da
“de-mo-cra-cia”. Ou uma resposta aos “gol-pis-tas”.
Ou uma “in-fâ-mia” à
opinião pública que grita, sonolenta, "A-cor-da-Bra-sil" e sonha
com o dia em que o Congresso e o Judiciário se transformem em um grande
estacionamento privado. No país do “que país é este”, os porta-vozes da suposta
maioria se ressentem pela “o-fen-sas” constantes de uma corte de 11 juízes que
usam as leis para afrontar a “jus-ti-ça” e proclamar a “im-pu-ni-da-de”.
Ou de
594 parlamentares, “pa-gos-às-nos-sas-cus-tas” para,
"on-de-já-se-viu", criarem leis. Leis para quê? Dependesse dessa
maioria de pensamento binário, todas as contradições e penas e direito de
defesa se resumiriam a uma grande enquete. “Se você acha que eles erraram e
devem morrer, curta.
Se acha que devem ser linchados, compartilhe. Participe. A
sua opinião é muito importante. O final, você decide”. Nesta forma curiosa de
aprimoramento democrático, pensar é dispensável, mas grunhir, feito porco, é
exercício pleno de cidadania.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.